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Metas de leitura: por que e como
Antes de ler, verifique as datas dos três Mercúrios retrógrados do ano.
Outro dia perguntei no Bluesky se as pessoas tinham o costume de colocar metas de leitura. Várias pessoas responderam que não, que leitura é uma diversão e que elas não queriam sujeitar o seu entretenimento a uma lógica de produtividade, e eu acho que elas estão certíssimas (para comentários adicionais, favor checar o texto do Yuri “Ler ou consumir”), mas várias pessoas responderam que não por um motivo bem diferente: porque “sabiam que não iam cumprir a meta e iam se sentir frustradas”.
Então hoje eu vim falar sobre como estabelecer metas de leitura, presumindo, é claro, que você queira.
O primeiro passo para estabelecer uma boa meta — de leitura ou outra coisa — é saber por que você está fazendo isso. Para a leitura, eu vejo dois motivos principais para estabelecer metas:
Ler mais
Você pode ser uma pessoa que perdeu o hábito da leitura durante uma fase complicada da sua vida e agora quer retomar esse aspecto da sua personalidade (aconteceu comigo). Você pode sentir que está passando tempo demais nas redes sociais e que a leitura seria um uso melhor desse tempo (acontece comigo periodicamente). Você pode ter decidido que a leitura é uma coisa boa que você quer na sua vida, mas que não vem naturalmente porque você não recebeu incentivo na juventude (eu me sinto assim sobre exercício físico). O fato é que você quer ler mais.
Ler “melhor”
Onde “melhor” está entre aspas porque é você que decide o que isso significa: ler clássicos? Ler minorias? Ler países diferentes? Ler biografias de empresários de sucesso? (Pausa para a colunista vomitar, porque esse é um preconceito literário que eu admito que tenho)
Ou ambos
Se você já está contente com o quanto você lê e o que você está lendo, obrigada por ter vindo até o post, cada clique ajuda nosso humilde blog a crescer, mas eu peço que não desista desse post ainda! Neste texto vou apresentar algumas ideias e argumentos que você pode usar contra quem implica com suas leituras, ou como encorajamento para os seus amigos que querem ler mais. Depois você me conta se funcionou.
Mas, se você quer mudar seus hábitos de leitura — mudar de um jeito que você considera uma melhora —, então siga-me pela toca do coelho enquanto eu falo sobre maneiras de traçar metas com menos probabilidade de se frustrar.
1) Reconheça suas conquistas
Claramente você é uma pessoa que lê. Você está lendo esse artigo, não está? Já vi pessoas que devoravam quadrinhos no celular em velocidades vertiginosas se lamentando porque “não liam muito”. Elas não liam muita prosa, mas quem morreu e decidiu que só prosa conta como leitura? Então comece reconhecendo o que você já lê: quadrinhos? Jornal? Rótulo de xampu? Às vezes você já lê bastante, e só quer ler “melhor”. Sendo que a ideia de “melhor” é 100% fabricada. Não existe leitura melhor ou pior, apenas diferente. E se você sente que seria melhor incluir alguma coisa diferente nas suas leituras, isso é ótimo! Mas por favor: não deixe outra pessoa empurrar a definição delas do que é “melhor” pra cima de você. As suas leituras são válidas, independentemente do formato, independentemente da quantidade. Mas, se você ainda quer fazer algumas mudanças, vamos em frente.
2) Todas as ferramentas são válidas
Audiolivros contam como leitura. Você não tem mãos para segurar um livro no transporte público? Você pode ouvir o áudio, e ainda conta como leitura.
Adaptações infantojuvenis contam como leitura. Jane Austen e Machado de Assis são muito grandes e intimidadores? Você pode ler a versão simplificada para conhecer a história antes de encarar a versão original.
Depois de cinco minutos você se desconcentra, sente sono, etc? Coloque um timer e leia durante quatro minutos. Ler quatro minutos por dia é melhor do que zero minutos por dia.
Não é uma vergonha deixar o livro no banheiro porque você só lê enquanto está cagando. Não é infantil se subornar dizendo que “se eu ler x páginas desse livro chato eu posso ir ler um quadrinho/comprar um doce”. A polícia do livro não vai te prender se você sublinhar as palavras que não conhece para olhar depois (mas não interrompa a leitura no meio do parágrafo pra ir procurar, termine ele para ter o resto do contexto), nem se você marcar suas partes favoritas ou ficar xingando personagens na borda da página.
Às vezes a gente se sabota porque, além de querer fazer uma coisa, a gente ainda acha que tem que fazer a coisa de um jeito específico. No seu trabalho, talvez você tenha um protocolo para seguir, mas com as suas metas de leitura pessoais vale tudo.
3) Mapeie as dificuldades e procure soluções específicas
Você sabe o que está te impedindo de ler mais? O capitalismo, com certeza. Redes sociais, provavelmente. Mas o que mais? Cansa sua vista? Você começa a ler e o cérebro envereda em pensamentos sobre a morte da bezerra? Te dá sono? Você se sente culpado porque deveria estar trabalhando/estudando? Pensa em ler, mas desiste e acaba indo ver um seriado?
Procure soluções para esses problemas específicos. Limite o tempo de uso das redes sociais, troque o tamanho e cor da fonte do celular, leia em voz alta, anote seus pensamentos na borda da página… já falamos que tudo é válido.
4) Seja paciente
Talvez você ainda não saiba qual é o problema e não consiga encontrar soluções específicas. Tudo bem, é um processo. Preste atenção no seu ambiente interno e externo pra tentar encontrar coisas que você pode mudar, veja quais mudanças ajudam, quais não fazem diferença, e assim por diante. Quando você coloca uma meta e vai acompanhando, registrando em algum lugar (não precisa ser público, pode ser seu diário), você está juntando dados pra te ajudar a descobrir qual é o problema e quais soluções você já tentou. Aliás, vou te contar um segredo: mesmo as pessoas que entendem o próprio processo às vezes falham nas suas metas, porque o ser humano vive em constante mudança e a estratégia que funcionava em 2023 talvez não funcione em 2024.
5) Seja realista
Se você está lendo 1,5 livros por ano, não vai ser ano que vem que do nada você vai ler um por mês. Se você gosta de ler fantasia, espadinha, dragões, é improvável que você passe um ano inteiro lendo a seleção do clube do livro da Oprah.
Nota: Oprah é uma apresentadora de TV negra estadunidense que tem um impacto cultural semelhante à Fátima Bernardes.
Parte de conseguir ser realista é conseguir identificar as suas dificuldades e medir a sua capacidade de contorná-las. Se você está lendo 1,5 livros por ano e sua maior dificuldade é que você está criando um filho... olha, criar filhos é bem difícil mesmo. No seu lugar eu tentaria ler para a criança e contar que “o de hoje tá pago”. Mas, se você lê 1,5 livros por ano e seu maior problema são as redes sociais, você pode colocar um timer para ler 10 minutos na hora do almoço, e desse jeito 5 livros por ano já é uma meta realista.
Da mesma forma, se você quer ler gêneros literários diferentes, que não vêm naturalmente pra você, não adianta “se proibir” de ler o que você gosta. Continue lendo o que você gosta e vá incluindo o resto aos poucos. Já lê livros de fantasia e gostaria de começar a ler não ficção? Comece com a meta de 1 livro de não ficção. No ano que vem você aumenta. Onde puder, faça transições suaves também: seu livro de não ficção pode ser sobre assuntos com os quais você seja mais familiar. Olhe muitas sinopses, talvez reviews, descubra vários títulos do gênero que você quer explorar, não pra sair acumulando leituras na sua lista, mas pra tentar encontrar um que tenha a sua cara.
Falando das minhas experiências pessoais, eu decidi que precisava me informar melhor sobre racismo, mas ler alguma coisa como “Pequeno manual antirracista” seria tão fora da curva que eu passaria uns dois anos adiando (e no fim desistiria). Mas, lendo livros de fantasia escritos por pessoas negras e amarelas, eu passei a ver com outros olhos questões de colonização e preconceito, e pela primeira vez parei pra pensar sobre diáspora, perda de identidade e busca por um novo lugar de pertencimento. Não é o suficiente para propor uma política pública que conserte as coisas no Brasil, mas me ajuda a entender porque as coisas precisam ser consertadas.
Outro objetivo pessoal é ler mais ficção científica e livros que não tenham vindo dos Estados Unidos.
Eu ainda leio por diversão, e espero que ler também seja sempre uma diversão pra você, mas eu também acredito que a gente pode se divertir usando a cabeça e fazendo um esforço consciente para aprender empatia. A nossa diversão também nos molda: se você ri de uma piada preconceituosa, você é uma pessoa preconceituosa. Pra mim, metas de leitura não tiram a diversão: elas ajudam a me divertir enquanto me torno quem eu quero ser.
Ana Carolina Dantas é física nuclear e escreve histórias de fantasia e ficção científica focadas em relacionamentos interpessoais. Ela tem alguns contos na Amazon e publica na sua newsletter uma história de vampiros. Ana gosta de RPG, assiste One Piece enquanto lava louça e aparentemente é editora-chefe da VAL (ela nega as acusações). |
Revisão: Davi Dallariva
Lembre que a seção de comentários fica aberta, e adoraríamos ouvir suas opiniões sobre o artigo! Que livros você colocaria numa possível meta de leitura?
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