aVALiando sinopses: finalistas do prêmio Oceanos 2024

Antes de ler, verifique se esse mar salgado não são lágrimas de Portugal.

O Banner diz "aVALiando sinopses: finalistas do prêmio Oceanos 2024", as letras V A L estão destacadas com fonte e cor diferentes, imitando o logo do blog. Abaixo do título, um pódio redondo branco, com base dourada, tem cinco livros apoiados: caminhando com os mortos, certas raízes, meu irmão eu mesmo, outono de carne estranha e infortúnios de um governador nos trópicos. O fundo da imagem tem padrões de ondas bem clarinhos, difíceis de enxergar contra o fundo branco.

Há anos que eu acompanho o blog "Peixinho de prata", de uma moça (ok, mais pra uma senhora) de Portugal que lê bastante, e com um gosto bem diverso do meu. Ela até lê ficção especulativa, mas também muitos livros de montanhismo e viagens, além de obter livros por caminhos muito diferentes dos meus circuitinhos de redes sociais, então é sempre uma experiência interessante ler as resenhas dela. Uma coisa que ela faz que eu acho bem legal é acompanhar os prêmios International Booker Prize e Women's Prize for Fiction. Ela pega a lista dos finalistas, fala da sinopse, e se o livro lhe apetece ou não.

Quis trazer essa tendência para a VAL, porque eu acho que prêmios são um jeito interessante de conhecer livros novos, saber "o que as pessoas estão escrevendo por aí", etc. Esse ano decidi acompanhar o Oceanos, porque é uma premiação para autores de língua portuguesa que pega obras de vários países, e eu queria conhecer, sei lá, coisas escritas em Angola ou Moçambique. Outro fator que achei relevante é que as inscrições do prêmio são gratuitas. Eu não sou contra taxas de inscrição em si, mas eu acho que quando o valor da taxa de inscrição é acima de trezentos reais, você não está medindo a escrita, e sim outra coisa.

Como a lista dos semi-finalistas acabou muito longa — 15 livros para prosa e 15 para poesia, em vez dos 10 de cada que eu esperava — decidi esperar anunciarem os finalistas antes de vir aqui dar meus pitacos sobre as obras escolhidas.

Vamos nessa.

Capa do livro “Caminhando com os mortos”, da vencedora do Jabuti, Micheliny Verunschk, publicado pela editora Caminho das Letras. Ilustração: ao centro, o rosto de uma mulher negra, com o cabelo preto trançado. O cabelo se mescla ao fundo vermelho da imagem, mudando somente a cor, mas mantendo o padrão de linhas.

Caminhando com os mortos — Micheliny Verunschk

A autora já foi vencedora de um prêmio Jabuti, o que pra mim já a apresenta com o pé esquerdo, não por culpa dela, mas por culpa de um prêmio que se diz tão "cabeça" que precisa separar romances nas categorias "literário" e "de entretenimento". Eu poderia desfiar o rosário sobre todos os motivos pelos quais isso é absurdo, mas sinto que se eu cutucar o suficiente consigo convencer outro membro da VAL a escrever isso.

A trama fala sobre um crime cometido por intolerância religiosa: uma mulher queimada viva como parte de um ritual para ser "purificada e trazida para o bom caminho". Infelizmente isso não me atrai nem um pouquinho. "Crime violento + investigação" é um combo que eu acho difícil de engolir independente do cenário ou da motivação, não gosto e me afeta negativamente. O fato de que eu já estou cansada de "e no fim o vilão é o cristianismo" não ajuda.

Considerando tudo, esse tem cara de ser um livro tenso, talvez até chocante, daqueles que você lê sabendo que vai passar raiva das situações retratadas, e essa não é a experiência que eu busco num livro. Pra quem busca esse tipo de experiência, o livro tem 144 páginas, não vai ser uma coisa muito demorada.

Capa da coletânea de contos “Certas Raízes”, de Hélia Correia, publicada pela editora Relógio D’Água. Pintura em aquarela do busto de uma mulher olhando para cima, ela é branca e tem cabelo loiro-escuro. O fundo da imagem é verde, e ela parece estar deitada sobre ele.

Certas raízes — Hélia Correia

Esse daqui é ainda mais curtinho, 104 páginas, e de uma autora portuguesa. Não é um livro muito popular, 3 reviews no Goodreads e nenhuma na Amazon, em vez de sinopse do livro temos apenas um trecho — e eu achei o trecho interessante. Para um romance inteiro, mesmo um de 104 páginas, seria cansativo, mas o livro é de contos. De acordo com a única resenha explicativa (obrigada, usuária aleatória do Goodreads), os contos tratam de temas como a hipocrisia e indiferença da sociedade.

Como eu achei a amostra de escrita ok, talvez eu lesse um conto antes de me comprometer a ler o livro inteiro. O fato de ser curtinho com certeza ajuda.

Capa do livro “Meu irmão, eu mesmo”, de João Silvério Trevisan, publicado pela editora Afaguara. Sobre um fundo laranja, há duas rosas em preto e branco com leve efeito de transparência nos caules, que estão cruzados.

Meu irmão, eu mesmo — João Silvério Trevisan

Um pouquinho maior, 256 páginas, eu achei a proposta desse livro muito legal. É um romance autobiográfico, e o autor fala sobre seu relacionamento com o irmão. Diagnosticado com o HIV na época que o nome "AIDS" era um bicho-papão que evocava terror nos corações de todos, ele achava que estava marcado para a morte, mas devido a um câncer fulminante, seu irmão acaba indo antes dele.

Pra começar, eu gosto muito de histórias sobre famílias, especialmente relacionamentos entre irmãos. Além disso, toda essa temática de luto, acompanhar a pessoa durante a convalescença e os momentos finais, é uma coisa que eu acho muito importante. Minha vovozinha de 99 anos está toda debilitada e meus pais começam a encontrar as próprias limitações, e quanto mais adulta fico, mais penso nisso. Por último, eu acho interessante como ele menciona que o foco do livro é esse relacionamento, mas que as lutas da comunidade LGBT dos anos 90 estão no pano de fundo. Essa coisa de como o todo afeta a parte é a razão pela qual estudamos as escolas literárias em literatura, e é legal ver como mesmo uma tragédia pessoal, tipo um problema de saúde, existe dentro de um contexto.

Falando puramente em interesse, eu leria… quando estivesse psicologicamente preparada pra ler desgraça e se nenhum livro de fantasia passasse na frente dele bem na hora.

Então se o livro parece a sua praia e você ler, por favor me conte, porque estou interessada, mas conheço a minha realidade.

Capa do livro “Infortúnios de um governador nos trópicos”, de Germano Almeida, publicado pela editora Caminho. Centralizada sobre um fundo vermelho, há a ilustração de um homem branco com roupas de época em um estilo europeu talvez do século 16.

Esse é um autor cabo-verdiano, o que eu considero um ponto de interesse porque quero me tornar mais familiar com a literatura dos outros países de língua portuguesa. O título me faz pensar que tenha uma veia de comédia, ou pelo menos sátira, mas a sinopse não diz muito a esse respeito.

Um romance curtinho, 167 páginas, a história acompanha o coronel João da Mata Chapuzet, que — na época que a família real Portuguesa fugiu para o Brasil — foi nomeado governador da colônia de Cabo Verde. Esse aspecto de saber o que estava acontecendo nas outras colônias enquanto o Brasil brincava de Império parece legal, mas o livro parece focar mais nos afazeres domésticos da casa do governador, incluindo um adultério, então a princípio eu não leria.

A capa consiste em uma fotografia em preto e branco de várias pessoas subindo uma parede de terra ou pedra íngreme, com roupas desgastadas, a maioria sem camisa. Na base da parede há alguns homens de chapéu empunhando ferramentas de picaretas. O título cobre metade da capa, e várias manchinhas douradas dotam a imagem.

Outono de carne estranha — Airton Souza

Outro romance curtinho, 157 páginas — será essa uma tendência do prêmio? —, o livro já venceu o prêmio Sesc de literatura em 2023. Como esse tem uma sinopse bem escrita, vou me permitir apenas copiar:

"[o livro] se passa no contexto da famosa e trágica Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo, explorada por milhares de homens na década de 1980. Nessa terra fragmentada pelas enxadas, marcada pela ganância e pela violência, o romance mescla fatos históricos e ficção para contar a história de Zuza e Manel, dois garimpeiros que se apaixonam, e Zacarias, um padre angustiado diante da própria batina. Os três protagonistas tentam, a todo custo, bamburrar: encontrar uma grande quantidade de ouro e, assim, ganhar a vida."

Achei ele interessante, e bem menos sofrido que o do Trevisan. Se pessoas cujas opiniões eu valorizo elogiarem o livro, talvez eu leia.

Com isso, concluímos a lista. Temos duas pessoas que venceram premiações no passado recente, e três setuagenários. Como essa é minha primeira vez acompanhando o prêmio, é difícil dizer o que é um padrão e o que é apenas uma coincidência fortuita, apesar de eu ter minhas suspeitas. Assim como o Booker, não acho que a gente vá ver muita ficção especulativa entre os finalistas num futuro próximo. Eu já falei o que tinha pra falar sobre a tendência de considerar ficção especulativa como uma forma literária menor no meu texto "Olhar diretamente para o Sol", mas é um assunto que rende.

Ainda assim, não pretendo desistir do prêmio Oceanos tão cedo. Como eu falei, quero saber mais sobre literatura lusófona. Gosto de conhecer livros diferentes, mesmo que a princípio eles não pareçam muito a minha praia — eu ainda tenho amigos e tias que leem, cujos gostos não batem 100% com os meus e para quem eu poderia recomendar ou até presentear os livros.

E você, acompanha alguma premiação? Acha que o fato de um livro ter prêmios no seu nome te influencia a dar uma chance para ele?

Fotografia de Ana Carorina Dantas, uma mulher branca de cabelo joãozinho, usando óculos retangulares. Ela tem sobrancelhas grossas e uma trança fininha caindo sobre o ombro.

Ana Carolina Dantas é física nuclear e escreve histórias de fantasia e ficção científica focadas em relacionamentos interpessoais. Ela tem alguns contos na Amazon e publica na sua newsletter uma história de vampiros. Ana gosta de RPG, assiste One Piece enquanto lava louça e aparentemente é editora-chefe da VAL (ela nega as acusações).

Revisão: Luiz Felipe Sá

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