Tem livro bom no Brasil também

Antes de ler, verifique se você não está sendo uma lista do NYT e só lendo literatura estrangeira.

Banner com as capas dos livros "ladeira abaixo", "essa festa virou um slasher", "na teia da aranha" e "como arruinar seu dia de folga" repetidas formando um mosaico.

No início de julho, uma lista dos 100 melhores livros do século XXI foi divulgada pelo The New York Times, em que não constava um único livro de autor brasileiro. 

Nenhum.

Creio que podemos ter o consenso de enviar mais livros para o pessoal que faz essas listas, não é mesmo? Mas sabemos da triste realidade de que livros só ganham reconhecimento quando já possuem reconhecimento. É confuso, eu sei, mas é mais ou menos a lógica da música “Onde o rico cada vez fica mais rico, e o pobre cada vez fica mais pobre, e o motivo todo mundo já conhece, é que o de cima sobe e o de baixo desce”.

Pensando em mudar essa cadeia hereditária, aqui vão algumas sugestões:

Capa de "Ladeira abaixo", de Aimee Oliveira. A ilustração cada mostra uma rua de paralelepipedos com trilhos de bonde. A rua é uma descida um pouco íngreme, as casas ao redor são coloridas de aparência antiga, e várias pessoas e objetos aparecem na ilustração, como um homem consertando um carro verde quebrado, vizinhos conversando na janela, um bonde subindo a rua e pedestres diversos.

Ladeira abaixo – Aimee Oliveira (2022)

Esse aqui me conquistou já na capa. 200% brasileiro, desde a moça bonita andando na rua sendo observada pelo cara que conserta o carro, passando pelas construções marcadas por grafite, às senhoras fofocando na janela e fechando com o cachorro caramelo sorrindo para o leitor. A obra trata de dois amigos muito próximos que passam por circunstâncias não muito boas, afastam-se e acabam se reencontrando no ônibus entre a rotina corrida da personagem principal, que envolve o trabalho, a faculdade e o tempo cuidando da avó que recebe o diagnóstico de Alzheimer. Aimee retrata os modelos de família de forma absurdamente incrível, porque não é perfeito. É real. Além disso, a sensibilidade com que ela mostra o convívio com a doença, tanto para o paciente, quanto para a família e amigos, é tocante. 

Capa de Essa festa virou um slasher, de Marina Feijóo. A capa tem fundo roxo e preto, com uma máscara branca estilo "ghostface do Pânico" no fundo. No primeiro plano, uma moça baixinha de cabelo azul segurando uma faca, e o um rapaz negro fantasiado de superchoque (casaco roxo com forro amarelo, camiseta e mascara brancos) segurando um bastão de beisebol. Tanto a faca quanto o bastão estão manchados de sangue.

Essa festa virou um slasher – Marina Feijoó (2021)

Neste slasher, acompanhamos a história de alguns amigos que vão para uma festa à fantasia na noite de Halloween na universidade. Uma reunião de todos os cursos que causa uma mistura de álcool, beijos e fantasias. Ao passar das horas, os personagens descobrem que nem todo o sangue era falso e nem toda máscara de assassino era apenas temática.

É um conto que você consegue adquirir facilmente pelo Kindle. E eu posso já ter falado dele milhares e até milhões de vezes, mas não deixarei de falar. Foi minha primeira história de terror e meu primeiro conto da Marina. E ela me ganhou completamente, fazendo o que é necessário fazer em um conto, não deixando que o texto tenha alguma informação faltando, mas também não permitindo que sobre nem uma vírgula. Além desse, todo o repertório de contos escritos pela Marina são indicações que deixo aqui. 

Eu sabia que gostava de filmes desse estilo, completamente bobos, em que o maior perigo costuma ser um cutelo (e como são comuns de serem encontradas nos slashers, né?), mas não imaginava que um conto assim iria roubar meu coração também. E o que eu considero a moral da história (ela não existe, é apenas uma piada minha): o vilão da história, na verdade, é a heterossexualidade.

Capa de Na teia da aranha, de Iohan V Silva. A capa tem fundo preto e vermelho, com uma ilustração de uma mosca ou outro inseto voador presa por fios grudentos.

Na teia da aranha – Iohan V. Silva (2022)

Este livro é uma coletânea de contos curtos, que aparentemente relatam ações rotineiras e parte da vida de todos, como o caminho de volta para casa. Ao acompanhar esses textos você vai encontrar uma perseguição agonizante, horror sensorial, que fará você coçar a própria pele e a história de dois amigos, que compartilham um segredo.

Quando o autor entrou em contato para eu fazer a revisão do livro de contos dele, eu admito que comecei o trabalho um pouco desacreditada, já que, justamente por ter uma bagagem de leitura (e de consumo de outros tipos de narrativas) considerável, eu não costumo ser surpreendida. Ah! Que grande engano o meu! O Iohan tornou-se um dos meus autores preferidos e toda a santa vez eu sou enganada e surpreendida por ele. Não importa quantas possibilidades eu consiga criar em minha mente, ele vai trazer uma que eu não esperava e me deixar boquiaberta. Terror e desconforto na medida certa, tem as cinco estrelas e as recomendações garantidas.

Capa de Como arruinar seu dia de folga, de Denise Flaibam. O título ocupa a maior parte da capa, mas o fundo é dividido em paineis coloridos, alguns com retícula, num estilo que imita histórias em quadrínhos. Ao lado do título há uma silheta feminina usando uniforme de herói com capa.

Como arruinar seu dia de folga – Denise Flaibam (2020)

Sim, eu tenho preferência por histórias rápidas de ler, como percebeu? Neste conto, Denise traz duas personagens muito divertidas e críveis, elas têm toda a energia de super-heroínas que nos é vendida pelos cinemas, mas elas são melhores, porque são mais reais. E o que eu quero dizer com “críveis” e “reais” é que é fácil ver defeitos, medos e erros nelas, essas coisas que todos nós temos. 

Duas ajudantes, uma de super-herói e outra de vilão, acabam se esbarrando num dia no parque, mas até elas têm seus dias de folga. E sabem que não há trabalho nenhum que deva interferir no dia de folga. Mas, por momentos, a escolha não é tão fácil e um fator externo acaba interferindo, um “terceiro elemento”, então é necessário colocar as diferenças de lado e agir.

E é exatamente isso que faz a história ficar tão boa, a verdade que essas personagens passam nessas poucas páginas que já fazem o leitor querer correr para as próximas  aventuras e descobrir o que mais pode acontecer na vida de heroína e vilã.

E pra terminar, vamos criar nossa própria lista realista, pra agitar essa cadeia hereditária, pra fazer o próprio Xibom Bombom. Quais livros você adicionaria na lista? Quem vai ser o de baixo que vai subir?

Foto de Denize Gaspar uma mulher branca de cabelo curto repicado e óculos redondos. Atrás dela há uma mata.

Denize Gaspar é revisora de textos, leitora crítica, apaixonada por histórias e detentora dos poderes de saber o que os outros querem e ser engraçada. Constantemente buscando novas histórias incríveis, seja para ler, assistir ou auxiliar alguém a criar.

Revisão: Luiz Felipe Sá

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