Ler BR é ler bem

Antes de ler, verifique se você tem como língua nativa o português brasileiro e lê uma quantia significativa de livros escritos originalmente nessa língua.

Banner com uma colagem digital. No lado direito há um livro aberto cercado de estrelinhas, e ele lança um raio de luz verde e amarelo sobre um mapa do Brasil de ponta cabeça, preenchido com retalhos xadres verdes, amarelos e azuis.

Trabalho em uma livraria e, quando sugiro a compra de algum livro diferente do que já consta no estoque e de autoria nacional, a sugestão é recebida com um torcer de nariz do meu chefe e um educado “vamos esperar alguém pedir antes” como negativa. Acredito que seja um passo enorme aos leitores adentrar na literatura nacional, não por ser complicada de entender ou difícil de gostar, já que não é nenhum dos dois, mas pela baixa disseminação desse conteúdo. Por isso, entendo quando não existe grande procura por ela.

Eu mesma só sinto que conheci o caminho da literatura nacional que me despertou interesse depois de ter começado uma pós-graduação na área e a trabalhar com autores, pois o que é jogado na nossa cara o tempo todo são os best-sellers estadunidenses. 

Os livros brasileiros existem e vão muito, muito além daquele Machado de Assis que você foi obrigado a ler na escola (e provavelmente não leu). Há textos que transpiram a verdade da realidade brasileira, conhecimentos, vivências, cultura, interesses, forma de falar e de se relacionar.

Por exemplo, eu moro em uma cidade do Sul do Brasil, sem praias, e lembro muito bem o tamanho do questionamento que foi criado na minha cabeça quando um dos personagens que morava em uma cidade litorânea do Nordeste brasileiro acordava, tomava banho e ia para a praia. A atitude não fazia sentido nenhum para mim, mas a autora riu quando eu expus isso, afinal, era algo tão rotineiro que ela não pensava sobre o assunto. O texto criado por pessoas com raízes similares às nossas permite que o sentimento que compartilhamos com o personagem vá além do medo, amor ou raiva, seja a identificação sobre a graça da presença do cachorro caramelo, o carro do ovo passando nas manhãs e interrompendo a fala de alguém, ou vivências outras diversas que só entendemos porque sentimos.

Já aquela energia de quando um filho sai da casa dos pais para ir cursar um ensino superior em outra cidade? Jamais será aquilo que lemos em romances estadunidenses, com fraternidades, líderes de torcida e quartos compartilhados em um campus específico. E quer saber? Que bom!

Com o passar do tempo, na vida, vamos conquistando maturidade, que nos permite ser cada vez mais conscientes de nós mesmos e independentes de amarras sociais, ou participar de grupos específicos para sentirmos conforto. Essa maturidade também é conquistada por nós no papel de leitor. Tanto no mesmo formato de evolução, quando nos permitimos desbravar gêneros literários que não são os mesmos que acostumamos ou aqueles amplamente divulgados, quanto na compreensão diversa que conquistamos, sobre novas camadas do texto que não víamos, sobre novos conhecimentos que vão além do livro — para o processo de produção e divulgação, inclusive — e sobre a leitura que só a maturidade traz, a experiência de uma visão distinta que só é possível conquistar com o tempo.

Não precisamos odiar o livro que nos fez amar ler ou deixar de gostar de best-sellers estrangeiros, mas o interesse por novos horizontes aparece, e a literatura brasileira está aí, esperando ansiosa para ser descoberta. Permita-se conhecer um estilo de escrita novo, mergulhar por visões de mundo divergentes do que já conhece e conquistar uma nova face para sua vida como leitor e ser humano.

Ah! Pra você não dar bobeira (como eu dei) e demorar pra descobrir tanto texto bom, pode dar uma olhada em outros posts aqui da VAL, com indicações, tanto em listas ou em textos específicos. 

Foto de Denize Gaspar uma mulher branca de cabelo curto repicado e óculos redondos. Atrás dela há uma mata.

Denize Gaspar é revisora de textos, leitora crítica, apaixonada por histórias e detentora dos poderes de saber o que os outros querem e ser engraçada. Constantemente buscando novas histórias incríveis, seja para ler, assistir ou auxiliar alguém a criar.

Revisão: Davi Dallariva

Lembre que a seção de comentários fica aberta, e adoraríamos ouvir suas opiniões sobre o artigo! Quais foram os livros nacionais que abriram seus olhos para as possibilidades da nossa literatura?

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