Cinco livros com viagem no tempo

Antes de ler, verifique se você não é seu próprio avô.

Mosaico composto das capas dos livros "Antes que o café esfrie", "temos nosso próprio tempo", "apenas um monstro", "a máquima do tempo" e "as 220 mortes de Laura Lins".

Histórias de viagem no tempo capturaram a nossa imaginação coletiva de tal forma que é difícil acreditar que elas são razoavelmente recentes na história da humanidade: não tem mitos egípcios sobre Hórus voltando no tempo para impedir a morte de Osíris e descobrindo que Thoth é implacável; não tem tragédias gregas sobre Édipo tentando desviar o seu eu mais jovem do caminho para se impedir de casar com a própria mãe (e acabando ainda mais enredado na própria tragédia, pois gregos); nem lendas arthurianas sobre um futuro em que Morgana e Mordred levaram a Inglaterra para uma idade de trevas e sofrimento e o Arthur entra numa gruta, sai 30 anos antes e impede tudo e é por isso que vivemos nossa vida feliz e abençoada. Sempre pensamos sobre o tempo, mas enquanto visões do futuro (e a ideia de que é impossível fugir dele) são comuns, a ideia de voltar ao passado e desfazer seus erros é nova. Talvez os antigos fossem simplesmente mais sábios que nós, evitando viver em arrependimentos e focando em atitudes concretas.

Mas nada disso importa, porque viagem no tempo é muito legal, e eu separei cinco livros que falam dela:

Banner com 4 edições de A Máquina do Tempo com capas diferentes. Uma é preta e laranja com uns raios, a outra é azul com um homem de roupas antigas andando em um beco, o outro é preto e branco com muitas espirais e detalhes amarelos, e a última é uma de capa azul da editora Zuma. Por cima dela tem um post-it azul dizendo "Muitas edições!"

A Máquina do Tempo, H. G. Wells

Começando com o grande clássico, a primeira obra de viagem no tempo como a conhecemos. Quando eu fui ler “A máquina do tempo”, meu medo era o livro ser uma dessas obras aclamadas porque inovou e impactou na sua época, mas que é chata e difícil para padrões modernos. Felizmente, meus medos eram infundados. Os dois livros do H. G. Wells que li foram leituras simples, rápidas e — o que mais me cativou como pessoa formada em Física — com explicações científicas que são simples o suficiente para leigos, mas que fazem o pulo do gato entre a ciência de verdade e a ficção científica de um jeito tão suave que não ofendeu as minhas sensibilidades.

Em “A máquina do tempo”, um viajante do tempo que nunca é nomeado reúne seus amigos para contar as estranhas aventuras que viveu mais de 80 milhões de anos no futuro. Uma parte considerável do relato é ele explorando, descrevendo o que viu e filosofando em cima, tentando entender como a humanidade pode ter evoluído para chegar naquele ponto — o que acaba sendo uma crítica para as tendências que a sociedade tinha já naquela época. É o famoso “a ficção científica não prevê o futuro, ela faz um comentário sobre o presente”. Para um homem branco europeu, eu acho que ele fez a crítica social que ele podia fazer.

capa de "as 220 mortes de Laura Lins". A capa tem uma grande espiral preta e branca, cujo centro é uma árvore de folhas vermelhas. Há um raio caindo na árvore e duas mãos tentando se alcançar vindo de lados opostos da capa.

As 220 mortes de Laura Lins, Rafael Weschenfelder

Em outras histórias de viagem no tempo, não há uma máquina do tempo propriamente dita. Uma das narrativas desse nicho que eu acho mais curiosas é a do looping temporal, e é isso que acontece em “As 220 mortes de Laura Lins”. Na trama, o protagonista Daniel marca um encontro com sua amiga Laura no parque, mas antes que eles tenham chance de se abrir sobre um incidente da infância de ambos e o significado do evento para a sua amizade, Laura morre num acidente bizarro. Dois minutos depois, Daniel acorda em sua cama, ainda falta uma hora para seu encontro com Laura, e ele suspira aliviado acreditando que foi um pesadelo. No entanto, após ver Laura morrer de novo, Daniel entra numa corrida desesperada para parar o looping. Apesar desse pano de fundo tenso, a escrita é leve e fluida, e como as mortes são descritas meio superficialmente, e às vezes de um jeito quase cartunesco, acaba sendo uma leitura tranquila, gostosa.

capa de "Antes que o café esfrie". A capa é a fotografia de um livro de capa branca sobre uma mesa marrom, e tem um selo vermelho de mais de 1 milhão de cópias vendidas.

Antes que o café esfrie, Toshikazu Kawaguchi

A viagem no tempo em “Antes que o café esfrie” é meio fatalista: não importa o que a pessoa faça, não vai conseguir mudar os acontecimentos. Não que elas tenham muito tempo ou liberdade pra isso, já que a viagem no tempo acontece no café Funicuni Funiculá seguindo uma série de regras: só é possível viajar em uma certa cadeira do café, da qual o viajante do tempo não pode se levantar em hipótese nenhuma; e a duração da viagem no tempo é apenas o tempo que o café demora pra esfriar. Assim sendo, as pessoas que vão ao Funiculi Funiculá tentando viajar no tempo normalmente querem resolver alguma questão pessoal: dizer “eu te amo” para uma pessoa antes que ela vá embora, ter uma última conversa com alguém que vai inevitavelmente falecer, tentar entender melhor os sentimentos de alguém antes que o Alzheimer transforme a pessoa.

E só de escrever essa listinha eu confesso que chorei um pouco lembrando, porque é um livro muito emotivo. A prosa é super simples, tanto que no começo me incomodou um pouco, mas conforme você se envolve com os personagens você percebe que uma prosa mais elaborada provavelmente só ficaria no caminho. (E lendo sobre a obra do autor você descobre que ele é dramaturgo e a história é adaptada da peça de teatro com o mesmo nome, o que explica muita coisa.)

capa de "apenas um monstro". A capa é predominantemente preta e vermelha e por trás do lettering do título há a ilustração de uma garota meio de costas, de cabelo preto comprido segurando um medalhão.

Apenas um monstro, Vanessa Len

Esse se tornou um dos meus queridinhos, e vai ser só sofrimento até sair o terceiro livro. Em “Apenas um monstro”, monstros são pessoas aparentemente comuns, mas que possuem a capacidade de viajar no tempo roubando vida humana. Para cada ano que o monstro pretende viajar é preciso roubar um ano de um humano, o que consequentemente faz o humano morrer mais cedo. Por mais que eles evitem tirar mais do que alguns dias de cada pessoa, isso se torna uma questão moral para a protagonista Joan, que é meio-humana e desperta seus poderes no início do livro. Quando um monte de coisa dá errado nos primeiros capítulos, Joan é forçada a se aliar com um garoto monstro de uma família inimiga, e por mais que ele diga que é impossível ela vai tentar alterar a linha do tempo.

capa de "temos nosso próprio tempo". O fundo é uma noite estrelada roxa, e no primeiro plano vemos a ilustração simplista de uma mulher de pele marrom clara, cabelo cacheado até o queixo, blusa rosa e calça amarela. Nas nuvens no céu a lua é desenhada para parecer um relógio. Sobre a capa há um post-it dizendo "removido da Amazon - carinha triste"

Temos nosso próprio tempo, Lyli Lua

Eu guardei o melhor para o final. “Temos nosso próprio tempo” é uma narrativa única, a abordagem de viagem no tempo mais diferentona que eu já vi: a consciência da protagonista Vera fica saltando entre momentos da própria linha temporal. Os saltos são meio aleatórios, mas acontecem principalmente em momentos de emoção. De fato, o livro abre com ela mais velha no funeral da mãe, e a dor a leva a voltar para vários anos antes, numa tarde em que ela e a mãe faziam ioga juntas. Sabendo coisas sobre os possíveis futuros, Vera pode mudar algumas coisas. Em particular, ela tenta de todo jeito se livrar de um casamento infeliz com um cara insistente, e juntar coragem para falar com uma moça bonita na faculdade.

Viver a própria vida de forma não-linear deixa Vera com uma atitude de “viver o momento” que eu admiro demais, porque pra ela “viver o momento” não é “curtir a vida adoidado”, é… viver o momento. Se ela vai parar num ponto onde ela tem 8 anos, então ela vai ser uma criança de 8 anos, calar a boca das preocupações de adulta e só ir com as amiguinhas na festa do pijama. Se ela é uma universitária, ela vai fazer os trabalhos da faculdade. Não é uma visão “eu morri e reencarnei como a vizinha da prima da tia da duquesa” que vive tão em função das informações que trouxe do futuro que perde a noção do presente. Foi uma coisa muito interessante e gostosa de ler.

Bônus:

Vou aproveitar e fazer também um momento autopromoção: no meu conto “Diário de quarentena do viajante do tempo” o protagonista fica tão entediado durante a pandemia que inventa a máquina do tempo, o que por sua vez leva a uma partida de pebolim entre quatro versões da mesma pessoa.

O estilo é mais humorístico, porque eu pelo menos precisei muito de humor pra conseguir lidar com as inúmeras situações estressantes causadas pela pandemia. O que eu mais quis capturar nesse conto foi o momento exato que a gente fez a transição de “é só todo mundo guardar o distanciamento social bonitinho que isso vai acabar em três, quatro meses” para “isso nunca vai acabar [choro descontrolado] ”.

Capa de "diario de quarentena do viajante do tempo". O fundo é uma fotografia esverdeada e granulada de uma pilha de microondas velhos, e por cima disso tem ilustrações de plantas com borda branca, como se fossem recortes presos com fita adesiva.

Eu poderia falar de outros livros que contém ou tem como tema principal viagem no tempo (vocês ainda vão me ouvir falar muito sobre “(Não tão) perto do fim”, e eu com certeza vou ler “Felizmente, o leite” para os meus filhos), mas não queria deixar a lista longa demais para ter espaço de falar mais sobre cada um. Além disso, nenhuma lista vai cobrir todos os livros do gênero, e eu estou ansiosa para ler as sugestões de vocês nos comentários.

Fotografia de Ana Carorina Dantas, uma mulher branca de cabelo joãozinho, usando óculos retangulares. Ela tem sobrancelhas grossas e uma trança fininha caindo sobre o ombro.

Ana Carolina Dantas é física nuclear e escreve histórias de fantasia e ficção cinetífica focadas em relacionamentos interpessoais. Ela tem alguns contos na Amazon e publica na sua newsletter uma história de vampiros. Ana gosta de RPG, assiste One Piece enquanto lava louça e aparentemente é editora-chefe da VAL (ela nega as acusações).

Revisão: Luiz Felipe de Sá

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