A beleza que reside nas releituras

Antes de ler, verifique se seus livros não estão empoeirados.

Fotografia em close de duas prateleiras em uma estante metálica vermelha. Sobre uma das prateleiras há um espanador de pó emplumado, e a estante é decorada com uma trepadeira de plástico. Alguns dos livros visíveus são as série Canção do Gelo e do Fogo, Mistborn, Filhos de Éden e as Brumas de Avalon.

Acervo pessoal do autor

Ler é bom. Ler coisas novas é sempre bom. A sensação de abrir um novo livro, o cheiro de papel novo, o toque suave do papel (ou o toque sólido do Kindle ou do celular), o descobrir uma história nova, a impressão de que, ao fim, ela vai te deixar, seja ela boa ou não. É um prazer indizível se você sabe como aproveitar, mas quantas vezes você, ao fechar o livro, costuma abri-lo de novo?

Quantas vezes você revisita uma história?

Vivemos em um mundo cruel, onde sobra pouco tempo para vivermos o nosso lazer. Além disso, no mundo hiperconectado das redes sociais e das bolhas, é muito fácil a FOMO (Fear of Missing Out, ou seja, apreensão de não conseguir acompanhar debates ou eventos) bater em nós, e com força: a sensação inerente de achar que não estamos lendo ou participando o suficiente do que importa. Aquele romance novo do seu autor favorito ou aquele livro que veio do nada e sobre o qual todos os influenciadores estão falando e parece ser a sua cara. Somos empurrados sempre para algo novo e mais novo ainda: a última novidade, a continuação da sua saga favorita… Dessa forma, voltar para uma releitura não parece apetitoso. Afinal, é uma história já conhecida, mesmo que você ame seu ritmo, mundo, personagens, e não há muito mais a oferecer. Não é?

Errado.

Quando eu era criança, as releituras eram mais comuns. Havia um bocado do conforto de retornar a lugares conhecidos, mas o principal motivo era que meu pai me presenteava com livros e eu não podia ter um novo toda semana, além de não haver bibliotecas onde eu morava (mas havia sebos, valorizem os sebos). Eu gostava de voltar à leitura e perceber novas informações — quando era uma saga de fantasia ou livros de mistério — ou simplesmente reviver um momento que me deixou animado, empolgado, feliz, impactado. Em algum ponto da passagem da infância para a vida adulta, isso se perdeu, e aí a gente enfia a FOMO e tudo o que listei antes. Parecia, de repente, que sempre existiram livros que eu precisava ler. Um caleidoscópio de textos, dos mais clássicos aos mais contemporâneos. Dos ficcionais aos não ficcionais. E, então, menos tempo havia para ler tudo isso.

Não me considero uma pessoa apegada, a não ser com meus livros. Não gosto de vê-los unicamente como objetos a se pôr numa estante e embelezar o recinto. Não gosto de vê-los empoeirados. Se eu os mantenho e gosto o suficiente deles, então releio. E vivo um prazer novo, completamente diferente da primeira vez.

É como a mágica de ler um livro novo, só que sendo a mágica de ler um livro conhecido.

Eu já sei o que acontece, a história não é novidade, então posso dar mais atenção a outros elementos. Pessoas são multifacetadas, e seus textos também. Por exemplo, acompanhar um personagem pela primeira vez é ótimo, mas também é enriquecedor compreender cada nuance de sua mudança através da trama e reconhecê-lo como alguém vivo. Entender de forma ativa o motivo de uma história seguir para uma direção pode ser ainda mais potente do que vê-la acontecendo de forma passiva. Entender as nuances sutis que o autor deixou, como uma mensagem ou algo relacionável a qualquer elemento externo ao livro, questões relacionáveis a si mesmo e sua forma de ver o mundo. Assim, nossa percepção do que foi escrito é enriquecida, até porque a releitura não depende apenas de nossa própria percepção diante de algo que já foi lido, mas do momento em que abrimos o texto diante de nós. Afinal, agora temos uma bagagem maior, estamos vivendo um novo momento de nossas vidas, estamos mais velhos, conhecemos melhor o autor.

A sensação de revisitar histórias de que gostamos e descobrir que não gostamos mais tanto assim delas também é fundamental para a vida do leitor. É saber deixar coisas para trás, reconhecer seus erros, definir que aquelas ideias já não servem mais para nós.

Dessa maneira, reler é quase como abrir um novo livro. É toda uma sensação de novidade.

Por isso, penso que, tanto quanto ler algo recente nas rodas de discussão, ou zerar as listas eternas como “cinquenta e sete mil livros para ler antes de morrer”, reler é algo quintessencial para o aprofundamento e aproveitamento daquele texto, daquela história. É lindo. Mais do que ler inúmeras coisas e logar no Skoob ou no Goodreads, abrir algo antigo e descobrir algo novo pode ser muito mais impactante. Pode mexer com você de uma maneira que jamais mexeu antes. Conhecer todas as facetas (ou a maioria delas) de um livro querido deveria ser o ideal. Debruçar-se de maneira completa assim é extremamente prazeroso.

Não deixe os livros pegarem poeira. Livros já lidos ainda têm muito a oferecer.

Foto de Roger Portela, um homem negro de pele clara com cabelo encaracolado até a altura do ombro/queixo, usando uma camisa social de manga curta e uma mochila, olhando para longe da câmera com os olhos semicerrados. O fundo parece ser uma árvore coberta de musgo.

R.R. Portela, morador do RJ, divide seu tempo entre seu trabalho, sua escrita e ser pai. Apaixonado por fantasia, você sempre vai encontrá-lo em mundos criados por ele ou por outros. Você pode acompanhá-lo no blog Cozinhando Mundos.

Revisão: Mile Cantuária

Lembre que a seção de comentários fica aberta, e adoraríamos ouvir suas opiniões sobre o artigo! Você tem ou tinha o costume de reler livros? Que tal nos contar sobre alguma releitura marcante?

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