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5 quadrinhos nacionais para ler de graça
Antes de ler, evoque o nome da Musa da Nona Arte.
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Já faz alguns anos que eu tenho o costume de participar de um desafio de leitura maluco: o DesencaLendo. Criado pela Lígia Colares e pelo Lucas Sgrignero, o objetivo do desafio é desencalhar volumes que estavam parados na estante física ou virtual e ler 30 LIVROS EM 30 DIAS. Doidera, eu sei, mas a gente foi criando estratégias: selecionando contos e novelas não é absurdo ler um por dia, e o outro grande ás do DesencaLendo são as histórias em quadrinhos.
No desafio de 2023 eu li principalmente quadrinhos gringos e descobri que entendo mais de quadrinhos do que pensava (mais sobre isso no meu blog). Este ano decidi focar em quadrinhos nacionais que eu já tinha salvado na plataforma Tapas para acompanhar, mas nunca tinha de fato parado para ler.
Nota: Tapas é um site/app para leitura de quadrinhos em formato adequado para celular. Para quem quiser procurar mais quadrinhos nacionais no Tapas, pode buscar por “pt-br”, que muitos artistas colocam nas tags, já que não existe a opção de busca por idioma.
Meu primeiro comentário é que as artes visuais são ingratas. Esses artistas passam dias trabalhando em uma página que eu leio em 20 segundos. Eu juro que até tento parar e apreciar a arte com mais calma, mas, mesmo que eu demore três vezes mais em cada página, ainda é apenas um minuto de apreciação. Claro, a gente também lê mais rápido do que o tempo que demorou pra o livro ficar pronto, mas o volume de texto faz cada página durar bem mais do que uma página de quadrinhos.
E a consequência disso é que se vocês seguirem minhas recomendações, vocês vão acabar sofrendo.
Nem todas as minhas recomendações são quadrinhos concluídos, e, com a dificuldade de produzir arte no Brasil, não dá pra saber quando as pessoas que criaram vão poder voltar a atualizá-los. Na verdade, até os quadrinhos concluídos vão parecer muito curtinhos, sendo que, às vezes, representaram 3 ou 4 anos de dedicação de quem desenhou. Em todo caso, as obras não concluídas estarão devidamente sinalizadas.
Bora lá.
48 km - @iaraNaika
Vou começar sendo boazinha com vocês: esse está concluído!
“48 km” é uma comédia romântica sobre duas mulheres do interior do Ceará que todos os dias pegam o ônibus para a capital (nem te conto qual a distância desse trajeto) e tem o maior crush uma pela outra, mas não sabem como iniciar o diálogo. A história tem momentos hilários de gay panic, uma festa junina e a dura realidade de quem pega ônibus todo dia.
O quadrinho é estruturado com capítulos curtos, os primeiros, inclusive, no formato de tirinhas que até funcionam sozinhas, mas que vão aos poucos progredindo a trama. Eu gosto desse formato, porque cada capítulo é individualmente satisfatório quando você está lendo conforme é lançado, mas não fica repetitivo para quem chega depois e lê tudo de uma vez (falando pela minha experiência pessoal com outro quadrinho que segue esse formato).
O quadrinho também está à venda no formato físico.
Rei de lata - Jefferson Ferreira (@Pandadecapa)
“Rei de lata” ficou popular o bastante para ganhar edições físicas pela New Pop, contando com 5 volumes até o momento. Então, não, esse não está concluído, mas, no Twitter, o Jeff anunciou que os capítulos liberados agora em 2024 são parte do último arco da história.
A história é puro suco de “anime de rinha de criança”: depois de uma guerra horrenda, o país Marte ficou inabitável por conta das armas químicas usadas por Vênus (são só os nomes dos países, não tem viagem planetária). Nesse cenário desolado, nasceram crianças resistentes à atmosfera tóxica e com superpoderes. Elas foram consideradas amaldiçoadas e, por isso, abandonadas à própria sorte, onde acabam lutando umas contra as outras por recursos, ou contra adultos invasores.
Como todo anime de rinha de criança, temos um protagonista fortão e cabeça dura. Eu não fui muito com a cara do José e seu objetivo de ser o “rei do mundo”, mas gosto que a filosofia prática e egoísta de “matar ou morrer” dele é sempre colocada contra os ideais de crianças que estão tentando viver em grupos e desescalar a inimizade com os adultos.
Apesar do espírito fiel aos animes, uma coisa que gosto muito é a arte mais estilizada, às vezes, até caricata, o que eu acho que ajuda muito a construir os designs de personagens e transmitir a personalidade e estilo de luta de cada um de forma impactante.
Acelera SP - Cadu Simões e Juliano Kaapora
O Cadu Simões é o ser humano mais anticapitalista que eu conheço, TUDO que ele trabalhou você pode ler de graça em algum lugar, então “Acelera SP” não está no Tapas, mas pode ser lido e baixado no site dele.
Eu conheci o trabalho do Cadu passando na frente do bar do pai dele todos os dias — e olhando essa foto você vai entender porquê:
O Seu Simões faleceu em fevereiro, e foi uma grande perda para a cidade de Osasco. Ele era muito gentil e me fez ter uma experiência maravilhosa quando eu finalmente juntei coragem para entrar no “bar do Homem-Grilo”.
Como eu já escrevi sobre o Homem-Grilo ao relatar essa experiência — e como tenho outra paródia para recomendar hoje —, escolhi falar sobre uma obra do Cadu que é mais séria e agridoce.
“Acelera SP” é uma distopia num futuro não tão distante. Eu gosto dela porque apresenta um contraste: no lado onde todos os serviços essenciais são controlados por corporações, a sociedade virou um cyberpunk, só que com menos neon (muito punk, pouco cyber); mas no lado que resiste, as comunidades se sustentam na base do solarpunk — especial destaque para as terras indígenas desenvolvendo tecnologia própria em harmonia com a natureza. O quadrinho acompanha algumas pessoas interligadas por serviços de transporte: um motorista da “Urbe” e alguns de seus passageiros, a moça indígena que vai entregar remédios tradicionais para pessoas carentes agora que não existe mais SUS, entre outros.
Condizente com o nome, é uma narrativa ágil. Bem curta, mas completa, dá o que pensar por muito tempo.
O Livro dos pássaros - @Larkness
Esse também não está no Tapas, mas é possível ler todas as tirinhas publicadas até agora no Twitter da autora, ou comprar o livro no site dela.
As tirinhas dos pássaros também têm esse estilo de poderem ser lidas soltas, mas lendo a obra completa você nota uma continuidade nas situações vividas pelos personagens. As tirinhas seguem um grupo de pássaros que, por alguma razão, decidiram arranjar um emprego, e foram contratados pela Catch.co, uma empresa pertencente a um gato.
Fazendo paródia com relacionamentos de trabalho e o modelo de produtividade imposto pelo capitalismo, acho que não é surpresa pra ninguém quando o gato empresário, Sr. Catch, na verdade, quer comer os funcionários.
HQ de briga - Silva João
Eu falei que tinha uma paródia para recomendar hoje. Infelizmente, esse quadrinho também está incompleto, mas milagres acontecem: depois de pouco mais de três anos sem atualizações, o Silva postou capítulos novos! Será que nesse ponto de revelações surpreendentes continuaremos a ter updates regulares de “HQ de briga”? Não sei, mas os capítulos recentes me deram esperança.
“HQ de briga” é desenhado num estilo super simples — essencialmente o estilo das outras tirinhas do Silva — e com uma premissa mais simples ainda: o Protagonista vai participar de um torneio para poder enfrentar o Antagonista e conseguir sua vingança. Ele é acompanhado pelo seu Rival Amigável, e, juntos, eles enfrentam vários Capangas. E não, as palavras começando em letra maiúscula não são erros: esses são os nomes próprios dos personagens. Ninguém tem nome! Nem o quadrinho tem um nome! Alô? Um quadrinho sobre personagens que lutam chamado “HQ de briga”?
Mas o que começa como uma paródia de todos os quadrinhos de lutinha no humor sensacional do Silva evolui para uma narrativa carregada de metalinguagem. No começo parece uma piada:
Personagem 1: “Puxa, parece que estamos há meses nessa fila!”
Personagem 2: “Você quer dizer os meses entre a publicação do capítulo anterior e esse?”
Personagem 3: “Shh.” Aponta para um cartaz que diz “É proibido metalinguagem”.
Até que uma hora não é mais piada e você entende o que levaria o Antagonista a colar esse cartaz lá. Quer dizer… você quase entende, porque ainda estamos na parte da história que lida com isso e sabe-se lá quando vai continuar. Mas eu prometo que você vai se divertir enquanto dura.
E é isso. A nossa produção nacional de quadrinhos não perde em nada para os gringos em qualidade, mas acaba sofrendo, porque é um processo muito trabalhoso e — na dura realidade de quem precisa de outros trampos para pagar as contas — nossos artistas precisam trabalhar em ritmo de formiguinha. Todos os quadrinhos que citei aqui podem ser lidos gratuitamente, mas eu pagaria para ler qualquer um deles (“Livro dos pássaros”, me aguarde). E você, já leu algum quadrinho brasileiro? Recomenda algum quadrinho em geral?
Ana Carolina Dantas é física nuclear e escreve histórias de fantasia e ficção científica focadas em relacionamentos interpessoais. Ela tem alguns contos na Amazon e publica na sua newsletter uma história de vampiros. Ana gosta de RPG, assiste One Piece enquanto lava louça e aparentemente é editora-chefe da VAL (ela nega as acusações). |
Revisão: Denize Gaspar
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