1 conto x 1 filme (ou vários)

Antes de ler, verifique se suas referências literárias e audiovisuais estão alinhadas.

Nota da editora: no texto o Roger fala que todos os contos mencionados são gratuitos. Infelizmente a revista Escambanáutica não é mais gratuita. as edições custam R$1,99 cada, mas frequentemente são deixadas de graça na Amazon. Você pode receber notícias da gratuidade da revista acompanhando-os em suas redes sociais.

Uma brincadeira de que costumo gostar é aquela de “1 livro, 1 filme”. Acho-as, além de divertidas, muito funcionais para dar um gostinho do que esperar ao ler ou assistir certa coisa, além de ser um exercício gostoso para conhecer as referências de quem escreve e entender o que está sendo comparado.

Para quem não está familiarizado, basicamente consiste em pegar uma obra e traçar paralelos com histórias de outras mídias, mais conhecidas ou não, explicitando elementos que as duas tenham em comum.

Pretendo brincar disso aqui no texto, mas com um foco em especial: todos os textos apresentados, além de nacionais, estão gratuitos em alguma plataforma.

Agora vamos lá.

Capa da revista Escambanáutica, ano 1, número 1, de março de 2021. A ilustração mostra uma melher com roupas de navegante segurando uma luneta, se pendurando nas amarrações de um navio, com uma serpente maritma sinuosa no oceano à distância. O título da revista fica no topo, e o "t" de escambanáutica tem o formato de um farol lançando feixes de luz. Os autories da edição são Ana Luiza Silva, R R Portela e Gabi O

Monstros do mar têm mães”, de Ana Luiza Silva

“Monstros do mar têm mães” é um dos melhores contos contemporâneos nacionais que já li, e eu não poderia começar sem ser por ele. Publicado na primeira edição da Revista Escambanáutica, é um conto curto de terror sobre maternidade: narra a história de Maria, que vive numa ilha de pescadores, e, em um dia de tempestade, seu filho chega perto demais da água. As pessoas conseguem evitar que uma tragédia ocorra, mas a paranoia da mãe vai se tornando, com o tempo, mais intensa, porque ela tem uma certeza: seu filho foi substituído por outra coisa.

O tema da maternidade no terror não é algo novo, e posso traçar dois paralelos aqui: os filmes “O bebê de Rosemary” (1968) e “Babadook” (2014). Se, em relação ao primeiro, o filme se relaciona com o texto através de um sentimento forte de paranoia (no conto, o pensamento da substituição de seu filho por outra coisa consome a mãe no decorrer da história, no filme a possibilidade dos vizinhos estarem tramando algo com o bebê ainda não nascido é assustadora), no segundo o paralelo que traço é o aprofundamento da relação entre mãe e filho enquanto o horror acontece.

Os três são ótimas histórias de terror que, apesar dos paralelos, diferem-se bastante entre si.

Você pode ler o conto aqui.

Capa da revista Mafagafo com o conto Hei Hou Borunga chegou. A ilustração tem tons claros e meio borrados, mostra um ser humano e várias criaturas alienígenas - um ovo com pernas, um mamífero vagamente canino, etc - correndo na mesma direção.

“Hei Hou, Borunga Chegou”, de Santiago Santos

Aqui vou roubar um pouquinho. Mas vamos chegar lá.

“Hei Hou, Borunga Chegou” é uma noveleta de ficção científica, publicada pela Revista Mafagafo, que narra a história de Ribu, uma garota humana, que é salva da destruição da Terra pela tripulação de Borunga, um navio alienígena cujo trabalho é navegar pelo multiverso e salvar uma pessoa de cada espécie de mundos prestes a morrer. O dia a dia de Ribu no navio é completamente mudado com a chegada de Kérrera, a última sobrevivente de uma espécie de pessoas-ovo.

Espécies diferentes. Uma história bem-humorada mas também emocionante. Uma nave não usual, extremamente poderosa, que viaja através do espaço-tempo. Falo de “Borunga”, mas poderia estar falando de “Doctor Who”.

Eu sei que falei que citaria só filmes, mas os paralelos são muitos. Borunga é uma Tardis saída direto do século XVIII!

Para quem não conhece, “Doctor Who” é a mais longeva série britânica, com 60 anos. A série acompanha as viagens de um ser alienígena chamado Doutor, que viaja numa nave que se parece uma cabine telefônica britânica dos anos 60, e ela o transporta para qualquer lugar do espaço-tempo, resolvendo problemas sempre ao lado de um companheiro humano.

Apesar de “Borunga” focar mais nas relações entre seus personagens e menos no maravilhamento das descobertas, as semelhanças estão lá.

“Hei Hou, Borunga Chegou” tem um clima gostoso de viagem e interações entre espécies criativas que poderia ser de um filme do Studio Ghibli. Assim como os filmes de Hayao Miyazaki, principalmente “Castelo no Céu”, “Castelo Animado” e “A Viagem de Chihiro”, que trabalham o mistério, o maravilhamento e o cotidiano, tornando suas histórias dinâmicas e confortáveis. Queremos viver naquele mundo, mesmo aceitando que ele não é perfeito.

Para ler “Hei Hou, Borunga Chegou”, basta clicar aqui.

Capa de Tratado Sobre Tempestades e outros fenômenos extraordinários. A capa é ilustrada com motivos florais e geométricos que remetem a tapeçarias russas. O fundo é verde, com linhas brancas, ramos verdes e florzinhas vermelhas salpicadas.

“Tratado sobre tempestades e outros fenômenos extraordinários”, de Isabelle Morais

Eu gosto dessa história. Bastante.

Publicado de forma seriada na Noveletter, essa novela acompanha Morena e Aleksey, que decidem participar com antecedência da Prova de Titulação de Alquimista Extraordinário. Ivan, casado com Morena, assiste à prova, que funciona como uma espécie de torneio mágico, da arquibancada. Os três, no decorrer dos testes, vão percebendo que há algo estranho nos motivos por trás daquela prova, ao mesmo tempo que os sentimentos de todos ficam cada vez mais complicados depois de Aleksey levar um tiro do tio e passar um tempo com o casal.

Quero começar falando que esse livro é um ótimo arco de torneio de anime, mas não é essa a referência que eu quero trabalhar aqui.

Esse livro é como “Sky High - Escola de Super-Heróis” (2005), só que adulto. Não apenas pela mudança temática e de demografia, mas porque o ambiente, no lugar de ser um colégio, parece mais uma universidade. Em “Tratado”, eles estudam para compreender melhor a magia, para desenvolvê-la. Eles são pesquisadores, mas fazendo provas mágicas para evoluir. Apesar das temáticas diferentes, os corpos discente e docente estão lá.

Mas também quero traçar mais um paralelo, desta vez um pouco mais obscuro (nem tanto, vai). A gente vai para a China de 1976 com um filme chamado “A 36° Câmara de Shaolin”. Nesse filme, um homem foge de sua cidade após todos que ele conhece serem mortos como traidores. Ele entra para uma ordem de monges, passa por 35 câmaras de treinamento, torna-se um monge mestre em kung fu e volta para se vingar.

O que esse filme e “Tratado” têm em comum? Além de ambas as histórias já te jogarem no meio do conflito, elas desenvolvem suas tramas através dos testes. No caso do filme, com a passagem através das câmaras; no livro, com a Prova de Titulação. Ambos os desafios são criativos e se desenrolam de forma parecida: ver o teste, analisar o que deve ser feito e resolver o problema. Ambos tratam a prova com um bom senso de progresso. É muito divertido.

Você pode ler “Tratado sobre tempestades e outros fenômenos extraordinários” aqui.

Finalizo a lista deixando claro que é uma brincadeira com base nas minhas referências. Pode ser que você leia o texto e veja o filme e grite “mas esses dois não têm nada a ver!”, mas, se eu coloquei aqui, é porque achei pelo menos um elemento parecido.

De toda forma, todos os filmes e livros citados aqui não são iguais. Todos valem a pena ser lidos ou assistidos. Então vá lá e bom livro ou bom filme!

Foto de Roger Portela, um homem negro de pele clara com cabelo encaracolado até a altura do ombro/queixo, usando uma camisa social de manga curta e uma mochila, olhando para longe da câmera com os olhos semicerrados. O fundo parece ser uma árvore coberta de musgo.

R.R. Portela, morador do RJ, divide seu tempo entre seu trabalho, sua escrita e ser pai. Apaixonado por fantasia, você sempre vai encontrá-lo em mundos criados por ele ou por outros. Você pode acompanhá-lo no blog Cozinhando Mundos.

Lembre-se que a seção de comentários fica aberta, e adoraríamos ouvir suas opiniões sobre o artigo! Você já leu alguns dos contos sugeridos? Assistiu algum dos filmes?

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